A puta de Mensa - Woody Allen (1 conto em 3 dias)

II Parte

Segundos depois, respondia uma voz sedosa e eu disse-lhe o que queria:
-Parece que me pode ajudar a combinar uma hora de boa conversa - disse.
-Claro, querido. Qual era a tua ideia?
-Gostava de discutir Melville.
-Moby Dick ou os romances mais curtos?
-Qual é a diferença?
-O preço. Só isso. O simbolismo é pago à parte.
-Quanto é que isso me custa?
-Cinquenta, talvez cem para Moby Dick. Queres uma discussão comparativa... Melville e Hawthorne? Podia arranjar-te isso por cem.
-Quanto à massa, tudo bem - disse eu e dei-lhe o número de um quarto do Plaza.
-Queres loira ou morena?
-Faz me uma surpresa - disse eu e desliguei.

Fiz a barba e bebi café forte enquanto consultava a série de resumos do Monarch College. Mens de uma hora deposi, batiam à porta. Abri, e à minha frente estava uma jovem ruiva, embalada numas calças à boca de sino, como dois grandes cones de gelado de baunilha.
-Olá, sou a Sherry.

Sabiam mesmo excitar-nos a fantasia. Cabelo comprido liso, carteira de cabedal, brincos de prata, sem maquilhagem.
-Até me espanta que a deixassem entrar vestida desa maneira - disse eu. - O detective do hotel normalmente nota uma intelectual à légua.
-Uma nota de mil acalma-o logo.
-Começamos? - disse eu, encaminhando-a para o divã. Ela acendeu um cigarro e pôs-se ao assunto.
-Acho que podiamos começar com uma abordagem do Billy Budd como a justificação que o Melville dá para os insondáveis desígnios de Deus para com o homem, n'est-ce pas?
-Mas o interessante, no entanto, é que não é no sentido miltoniano. - Eu estava a fazer bluff. A ver se ela caía.
-Não. Paradise Lost não tem a subestrutura do pessimismo.. - Caiu.
-Certo, certo. Caramba, tem toda a razão - murmurei.
-Penso que Melville reafirmou as virtudes da inocência num sentido ingénuo e, no entanto, sofisticado - não concorda?

Deixei-a continuar. Nem devia ter 19 anos, mas já ganhara o calo da facilidade do pseudo-intelectual. Matraqueou as ideias dela, toda ligeirinha, mas era tudo mecânico. Sempre que eu lhe dava uma ideia, ela fingia uma reacção.
-Sim Kaiser, sim, filho. Essa é profunda. Uma compreensão platónica do cristianismo...como é que não vi isso antes?
Falámos aí uma hora e depois ela disse que tinha de ir. Levantou-se e eu dei-lhe uma nota de vinte.
-Obrigada, querido.
-Podes ter muito mais.
-Que queres dizer?
Tinha-lhe picado a curiosidade. Sentou-se outra vez.
-Faz de conta que queria fazer uma festa? - disse
-Tipo, que tipo de festa?
-Imagina que queria duas raparigas a explicar-me o Noam Chomsky.
-Oh, uau!
-Mas se não quiseres..
-Terias que falar com a Flossie - disse ela - e fica-te caro.
Era altura de apertar a tarracha. Mostrei-he o crachá de detective privado e informei-lhe que ia dentro.
-Quê?
-Sou da bófia, filha, e discutir Melville por dinheiro é um 802. Vais cumprir pena.
-Miserável!
-É melhor confessares rica. A menos que queiras contar a tua história no gabinete de Alfred Kazin, e acho que ele não ia gostar lá muito de a ouvir.
Pôs-se a chorar.
-Não me entregues, Kaiser - disse. - precisava do dinheiro para acabar o mestrado. Não me deram a bolsa que eu pedi. Por duas vezes.Ó, meu Deus!

E lá veio o chorrilho todo - a história completa. Criada em Central Park West, campos de férias socialistas, Brandeis. Ela era todas as miúdas que já se serviram na bicha do Elgin ou da Thalia, ou escrevendo a lápis as palavras "sim, muito verdadeiro" na margem de um livro qualquer sobre Kant. Só que, algures, a coisa dera para o torto.
-Precisava do dinheiro. Uma amiga minha disse que conhecia um tipo casado com uma mulher que não era lá muito profunda. Ele estava numa de Blake. Ela não dava. E eu disse, claro, se ele pagar, eu falo de Blake com ele. No princípio estava nervosa. Fingi uma data de coisas. Ele não se importou. A minha amiga disse que havia outros. Oh, já fui presa antes. Fui apanhada a ler a Commentary num carro estacionado, e de outras vez fui revistada e Tanglewood. Mais uma, e sou três vezes desgraçada.
-Então leva-me à Flossie.
Ela mordeu o lábio.


(uhhhhh deveras intelectualmente excitante, mas vão ter que esperar pelo desfecho, vão lendo outros livros entretanto, tipo Moby Dick for Dummies)

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